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Artigo
Estratégia Financeira em momentos de transição: caso Zamboni
December 2016
Tradução livre

A missão da Alexander Corporate Finance foi definida por mim e por meu sócio, Kiko Martinez, a partir de uma convicção conceitual e com base em nossa experiência profissional e interesses acadêmicos. Discutíamos longamente sobre a forma com que víamos a maior parte das empresas e executivos acreditarem que a estratégia corporativa e a gestão eram completamente dissociadas da estratégia financeira.

Não concluímos se isto era uma consequência da forma usualmente adotada para avaliar a performance de uma empresa, analisando os resultados apenas até a linha do EBITDA, que dá a entender que a performance financeira e estrutura de capital são uma nota de rodapé. Ou, pelos cursos de Valuation, onde o Valor da Firma é o fluxo de caixa operacional descontado e a estrutura de capital aparece apenas quando se faz a dedução do endividamento líquido na obtenção do Valor do Equity ou quando se define algo tão intangível quanto a taxa de desconto. Independente do motivo, este era um fato.

Em um momento de grande transformação da economia brasileira, as empresas procuravam assessores para “reestruturar suas dívidas”. Quando nos procuravam perguntando se fazíamos isto, respondíamos: “Não. A dívida é como uma febre. Temos que diagnosticar o paciente para entender a doença!”. Na maioria da vezes este diálogo terminava em um monólogo...

Em março de 2014, nosso foco estava na atuação junto a fundos de private equity internacionais com interesse no Brasil, quando por acaso, apareceu o Caso Zamboni. Hoje, com certeza, um de nossos preferidos.

Fui convidado por André Balbi Cerviño, um amigo de longa data, para uma conversa informal no Conselho Consultivo da Zamboni, do qual ele fazia parte.

Em um processo de sucessão e profissionalização, a empresa de atacado havia concentrado todos os seus recursos buscando o crescimento das vendas. A Zamboni, uma das maiores do seu setor, tinha crescido e se desenvolvido a partir de suas características mais fortes, com grande foco em sua vasta rede de clientes e excelência de serviço. Mas a gestão financeira não fazia parte da cultura da empresa.

A situação desafiadora da estrutura de capital em uma empresa aberta a mudanças, um conselho consultivo experiente e comprometido e o profundo envolvimento dos acionistas com a companhia formavam um cenário perfeito para o nosso trabalho. E as características do negócio eram ideais, pois os ajustes em seu fluxo de caixa teriam impacto imediato.

No trabalho de consultoria existe um grande desafio: por mais que o consultor seja do tipo “hands on”, quem realmente faz o trabalho é a empresa e sua gestão. No Caso Zamboni não foi diferente. Dando atenção e importância aos aspectos estratégicos da gestão financeira, com a entrada de um CFO experiente, a reorganização da empresa fez com que os procedimentos e processos fossem internalizados.

Os esforços se traduziram em números, com uma redução substancial da dívida líquida e crescimento da geração de caixa.

A dívida era resultado da gestão do capital de giro. Com a adoção de uma estratégia financeira coordenada com a estratégia comercial as qualidades naturais da companhia puderam prevalecer e aparecer sob a forma de resultados positivos. E a dívida, assim como a febre, baixou.

Fabiana Zamboni, presidente da Zamboni Comercial

Zamboni: algumas lições de um processo de sucessão e profissionalização.

O Grupo Zamboni foi fundado em 1969 pelo meu pai, Alencar Zamboni, como uma pequena empresa de atacado em Além Paraíba, na fronteira entre os Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Décadas depois, em 2006, transferimos a sede da empresa para o Rio de Janeiro e, mais recentemente, começamos a operar no Espírito Santo.

Em 1994 a empresa recebeu seu primeiro prêmio ABAD de Melhor Atacadista Distribuidor do Estado do RJ e no ano passado recebemos o nosso 24º prêmio. Comercializamos aproximadamente 250 categorias de produtos, um portfólio que vai de Alimentos e Limpeza a Cosméticos, para mais de vinte mil clientes.

Como em muitas histórias de empresas familiares, a Zamboni também passou por seu processo de profissionalização e sucessão. Em 2013, demos início a essa fase, quando meu pai Alencar assumiu a posição de Presidente do Conselho Consultivo e do Conselho Familiar. Minha irmã, Paula, deixou a gestão e assumiu uma posição nos dois Conselhos. E eu assumi a posição de Presidente da Zamboni Comercial.

Acredito que a experiência que tivemos neste processo deva ser bem semelhante à de várias empresas familiares que tentam conciliar um crescimento acelerado com mudanças estruturais. E me surpreendi com o convite para escrever este artigo,pois somos uma empresa ainda “jovem” nesta nossa nova etapa e não via a razão de fazer um “balanço de conquistas” com tantos desafios ainda por enfrentar. Mas cedi ao argumento de que uma das funções do CEO é dividir suas experiências boas e difíceis com os demais, da mesma forma que sempre me beneficiei ao escutar a voz de CEOs bem mais experientes.

Durante este processo de sucessão e profissionalização, subestimamos alguns desafios e nos impusemos várias metas simultâneas. Com a nossa origem comercial e capacidade logística, decidimos acelerar o crescimento do negócio. Sabíamos da importância da informatização e decidimos implementar um sistema ERP de mercado. Apesar de necessária, esta implementação e customização foi muito mais demorada e custosa do que havia sido originalmente planejada.

Há muitos anos adotamos um sistema de governança apoiado por um Conselho Consultivo. Ao manter as decisões societárias em nosso Conselho Familiar, e com o apoio de dois ou três conselheiros experientes no Conselho Consultivo, temos conseguido ter apoio em nossas diversas fases. E neste momento de transição não foi diferente.

Como resultado deste crescimento acelerado, custos inesperados e uma gestão baseada em KPIs gerenciais que mediam exclusivamente a eficiência comercial, terminamos o ano de 2013 com um endividamento sem precedentes em nossa história. E com a clara sensação de que não administrávamos a estrutura de capital de forma correta.

Nosso foco era essencialmente comercial e operacional. A Zamboni estava organizada em diversas diretorias, todas ligadas às atividades comerciais e de logística. A gestão financeira era uma gerência da diretoria operacional e administrativa. Em nossa visão, as atividades financeiras eram administradas como “consequência” e não como “estratégia”.

Por sugestão de nossos conselheiros, em março de 2014, frente a uma situação onde permanecíamos crescendo em faturamento, mas com fluxo de caixa negativo (com o endividamento líquido em seu maior valor histórico, contratamos a Alexander Corporate Finance para nos ajudar a construir uma estratégia financeira nesse momento tão difícil.

Usamos o diagnóstico da consultoria como base para uma profunda reformulação de toda nossa gestão financeira. Adotamos novos instrumentos gerenciais, nos reorganizamos e passamos a dar foco a estas atividades. Primeiro contratamos um CFO interino que adotou uma série de medidas de curto prazo direcionadas para o capital de giro. Em seguida, selecionamos um profissional de mercado para esta posição, garantindo a absorção dos ganhos de curto prazo em procedimentos e processos permanentes.

Depois de tantos anos, a nossa visão do próprio negócio mudou. O crescimento tornava claro o impacto do capital de giro na estrutura de capital. A principal fonte de recursos deve ser sempre a geração de caixa operacional e nunca os recursos de terceiros. Passamos a adotar uma gestão ativa da estratégia financeira. Reorganizamos nossa diretoria alinhando os objetivos comerciais aos financeiros. Reduzimos a estrutura e definimos duas diretorias estatutárias, que seriam ocupadas por executivos muito experientes. Uma estrutura mais ágil e com a visão financeira fazendo parte de todas as decisões relevantes.

Este processo apresentou resultados rápidos e surpreendentes. Fomos felizes em tomar a decisão de fazer o dever de casa naquele momento. O mercado de crédito ainda não estava tão nervoso como veio a ficar na sequência do ano. Recebemos o apoio de nossos parceiros financeiros e, com pequenos alongamentos, ajustamos os fluxos de pagamentos. Sem a necessidade de nenhuma medida que prejudicasse o negócio, venda de ativos, aporte de capital ou negociação não amigável, geramos caixa, acertamos os processos e recolocamos a estrutura de capital em níveis desejáveis. Aproximadamente dois anos depois, no final do primeiro semestre de 2016, com a redução do endividamento e crescimento do Ebitda, a nossa relação dívida líquida sobre EBITDA que era de de 9,28x passava para 0,73x.

Entendendo melhor a nossa própria empresa percebemos os efeitos que medidas estruturantes poderiam ter em nossa rentabilidade. Com este objetivo, em 2016 contratamos a Gradus Consultoria de Gestão, revimos todo o nosso processo orçamentário e adotamos o conhecido Orçamento Base Zero. Otimizamos diversos processos e custos e analisamos e ajustamos as atividades de logística. Este trabalho resultou em expressivos ganhos operacionais.

De qualquer forma, sempre falta algo mais a ser feito. A lição é que sempre há mais de uma perspectiva sob a qual se pode olhar o próprio negócio. Mas os desafios não acabam nunca e não existe posição de conforto, especialmente no ambiente econômico em que vivemos. Terminada uma tarefa, vem a próxima.

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